Há dias, ao conversar com uma
amiga, senti-lhe a nostalgia no olhar vago e sombrio. Não lhe sentia a alegria
na voz. Em vez de um sorriso aberto e contagiante, insinuavam-se-lhe no rosto
umas leves rugas de expressão… expressão triste, reveladora de um quase
desespero. Uma simples interpelação e os belos olhos verdes inundaram-se de
lágrimas. Em segundos, um choro sufocado terminou num abraço terno, numa
inefável partilha de sentimentos que só uma verdadeira amizade é capaz de
vivenciar.
“Vendi tudo…” , disse numa voz
ténue, quase inaudível. E assim fora, num momento de desespero, o culminar de
muitos outros momentos de incertezas e inseguranças, vendera todo o ouro e toda
a prata da família (anéis, pulseiras, brincos…). Aparentemente, resolvera um
problema, mas muitos problemas inerentes ficaram, seguramente, por resolver.
Deste ato muito refletido, mas
irrefletido, ficou a mágoa atroz que a rói por dentro e a deixa com o coração excessivamente
apertado. Diz o ditado, “vão-se os anéis, ficam-se os dedos”. Neste caso, diria
eu “vão-se os anéis, ficam-se as mágoas e o desespero”. É que não se trata de
um delapidar de algo materialmente valioso, trata-se de uma perda muito maior.
Com os “anéis” vai-se toda uma história de vida. Vão-se todas as memórias,
recordações e simbolismos. A cada “anel” estão associadas conversas, palavras,
cheiros, sons, afetos, …toda uma saga familiar!
E ali estava a minha amiga, com o
coração desfeito e o olhar vazio, tão vazio quanto a sua alma e cada um dos
seus bolsos. Sim, porque era já de bolsos vazios que tentava restabelecer as
suas forças. O dinheiro arrecadado na venda já estava gasto. Na verdade,
restava-lhe o mero reconforto de uma única certeza: sem livros e material
escolar os filhos não tinham ficado.
Que sociedade é esta? Que
política social é esta? Que crise é esta que está a fazer-nos hipotecar até as
nossas mais íntimas memórias?
Quando me deparo com pessoas com esta
total ausência de alternativas, sinto-me impelida a criticar, veementemente,
este sistema democrático. Até as palavras de Jean Rostand (às quais recorro
para confrontar os que se limitam a fazer críticas inconsistentes à
democracia), “Enquanto houver ditaduras, não terei coragem de criticar uma
democracia.”, me apetece refutar.
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